Prender manifestantes com base
na Lei de Segurança Nacional é uma
reviravolta na onda de protestos. O primeiro problema é se é possível encaixar
nela as badernas dos últimos meses. Os manifestantes estão tentando mudar o
regime vigente (artigo 16) ou impedir o exercício dos poderes da União ou dos
Estados (artigo 18)? Vale lembrar que uma referência frequente às manifestações
é a ausência de uma agenda clara. Se não está claro qual o objetivo, como dizer
que atenta contra a segurança nacional?
Mas ainda que decidamos que a LSN é aplicável, há o
problema se devemos usá-la para ajustar nosso relógio democrático. A atual LSN
surgiu em 1983, na última ditadura, e é uma variação de outras leis do governo
Vargas e reinventadas nos anos 1960 e 70. Todas tiveram o objetivo de suprimir
movimentos que ameaçassem o ditador de plantão. E é essa sua linhagem histórica
que nos obriga a ponderar se o uso de uma lei criada para proteger ditaduras é
a melhor solução na preservação da democracia. Leia
MILLÔR: Vocês
melhoraram a Academia no sentido de não a renegar, porque em certo momento ela
era de muito baixo índice. Vocês entrando melhoraram o índice. Há certos
setores no Brasil que estão mais ou menos corrompidos e eu pergunto se se
deveria fazer a mesma coisa nesses setores, como vocês fizeram na Academia?
REBELO: Eu acho que o melhor combate é se procurar entrar na
fortaleza a conquistar, não é você dar tiro de fora, é procurar uma brecha e
começar a influir dentro. Creio que a oposição pode ser feita no seio da
própria instituição, você tem que penetrar, não pode combater de longe, tem que
entrar dentro da jogada e aí se apresenta um novo clima, um novo método de
comportamento. E se vê entre as pessoas que antes eram adversárias suas, que
as coisas não são tão diferentes como se parecem ser, os pontos de vista não
são tão distantes. A conquista deve ser feita nesta base, você não pode agredir
demais. Tem que mostrar os erros das instituições, mas procurando penetrar
nelas para alterá-las, senão elas ficam sempre em mãos de outras pessoas.
MILLÔR: Isto, em suma,
é a defesa da evolução e não da revolução?
REBELO: Exatamente. Revolução realmente, no mundo, não
existe. Existe uma evolução e, às vezes, pequenos golpes que alteram a
fisionomia de certas situações, compreende?
JAGUAR: Você acha que
a literatura continuará sempre, ou virão outros meios de comunicação que a
substituirão?
REBELO: Até hoje, de todos os meios de locomoção, o mais
fácil é andar a pé. De maneira que eu creio que muitos meios de comunicação
virão, mas para as massas, e a literatura, segundo me consta, não é para as
massas, é para a elite. O pensamento mais alto não é para você distribuir em
Cascadura, não é? Só chega à massa quando não for mais de elite.
JAGUAR: Quer dizer que
haverá sempre seguidores da seita secreta?
REBELO: Exatamente, porque antes de mais nada a arte é
sempre um avanço que não pode ser facilmente compreendido pela massa. Todo
avanço artístico, literário, teatral é primeiro um trabalho de elite, queira ou
não queira, e o resto é bobagem.
JAGUAR: O que você
acha da televisão?
REBELO: Eu acho que a televisão, e eu já disse isso há
muitos anos, em todo mundo que eu conheço é sempre má, não é um privilégio
nacional. Porque exatamente ela tem o defeito de querer conquistar massas e
você não conquista massas com coisas inteligentes.
MILLÔR: Você falou em
literatura para elite e falou que alguns homens são importantes. Você está
defendendo de um modo geral um pensamento elitista?
REBÊLO: É claro e evidente. Não é possível você fazer uma
massa sem que ela tenha uma elite capaz de conduzi-la. Não há país no mundo que
subsista pensando em massificação. Você tem que dar à massa o que é possível de
bom para ela melhorar, mas isto é produto de um pequeno punhado de valores,
pessoas que realmente pensam e sabem o que querem. O resto acompanha, é o
sereno do mundo.
MILLÔR: Você acha
então que a palavra continua sendo a suprema forma de expressão?
REBÊLO: Eu acho que a palavra continua sendo a única forma
suprema de expressão, nada a substitui. Trecho da entrevista de Marques Rebêlo, para “O Pasquim –
Antologia”, vol. I (1969/1971)
Pesquisa Q&M:
Marques Rebelo, pseudônimo literário de Eddy Dias da Cruz. Foi um escritor e jornalista
brasileiro. Foi fundador de vários museus no país dentre estes o Museu de Arte
de Santa Catarina, o Museu de Belas-Artes de Cataguases, e o Museu de Arte
Moderna de Resende. Marques Rebelo foi eleito, em 1964, à cadeira Nº 9 da
Academia Brasileira de Letras, ocupando-a ativamente de 1965 à 1973, ano em que
faleceu.
Nota de rodapé: O
Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu na tarde desta quarta-feira soltar o casal
Luana Bernardo Lopes, 19, e Humberto Caporalli, 24, presos durante um protesto
no centro de São Paulo na segunda-feira . Eles foram enquadrados na Lei de Segurança
Nacional, que prevê pena de três a dez anos a quem praticar crimes como
sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, estaleiros,
portos e aeroportos. Leia