Prefácio – Individuar, segundo o “Aurélio”,
é tornar-se individual; especializar-se, distinguir-se; tornar-se particular. Jung
entendia a individuação como um processo que significava tornar-se um ser
único, alcançar uma singularidade profunda, tornando-se seu próprio self (si-mesmo).
o dia em
que o rabo balançou o cão e assumiu seu self
- Esquete político filosófico em 7 atos -
Cena1 - José foi assaltado. Levaram o carro
dele. Ao chegar em casa de táxi, ele imediatamente assumiu a culpa pelo roubo:
“Eu dei bobeira, não deveria ter parado naquele semáforo”.
Cena2 - Maria foi estuprada, e quase morreu.
Ao prestar depoimento, ela deixou bem clara sua responsabilidade pelo episódio:
“Eu vacilei, não deveria ter ido comprar pão sozinha”.
Cena3 - O ladrão arrancou o telefone celular
das mãos de João enquanto ele atendia uma ligação. Ele - o João, e não o ladrão
- assumiu total culpa pelo crime: “Eu não sei onde estava com a cabeça quando
fui atender uma ligação no meio da rua”.
Cena4 - Maria foi morta durante um assalto.
Ela gritou e acabou levando um tiro. Por ocasião de seu enterro, Maria foi
condenada por todos os presentes: “Que estupidez dela ter gritado, todo mundo
sabe que durante um assalto o melhor é ficar em silêncio”.
Cena5 - Marcos teve sua loja assaltada, e
quase levou um tiro. Seus empregados reclamaram dele: “Que estupidez, deixar
aquele monte de mercadoria exposta na vitrina”. Marcos passou a deixar tudo
trancado em um cofre... Mas a loja foi assaltada de novo, e um de seus
funcionários, após quase levar um tiro por ter demorado a abrir o cofre,
agrediu-o violentamente: “Seu miserável, fica trancando tudo, mais preocupado
com as mercadorias do que com a gente, e quase levamos um tiro por sua causa”.
Cena6 - Joel entrou em um subúrbio com o
caminhão da empresa para entregar pacotes de biscoito nos bares de lá. Após ter
tido os produtos e o caminhão roubados, e quase ter sido morto, foi despedido
por seu chefe: “Que sujeito burro, ir com o caminhão lá naquele bairro sem
pedir licença para o líder do tráfico local”.
Cena7 - Patrícia viajou a negócios. Desembarcou
no aeroporto com seu “notebook” e tomou um táxi. Não conseguiu andar dois
quarteirões - foi assaltada em um semáforo. Na empresa, foi imediatamente
repreendida: “Você não poderia ter desembarcado sem antes esconder o
“notebook”, deste jeito você pediu para ser assaltada”.
Posfácio - É tão normal um cidadão ter medo
de andar pelas ruas; é tão comum um policial ter que esconder sua profissão
para não morrer; é tão usual pessoas terem que pedir permissão a traficantes
para subir em morros e é tão rotineiro abrir-se mão da cidadania mais básica que
já não causa surpresa as vítimas estarem se transformando em culpadas pelos
crimes. – colagem
sobre texto enviado por Samuca Mac Dowell
Moral da história: O ser humano, tal como
imaginamos, não existe – Nelson Rodrigues.