*Não fosse o amanhã, que dia agitado seria o hoje!

terça-feira, 11 de março de 2014

Da série As Fabulas de Esgoto

Prefácio – Individuar, segundo o “Aurélio”, é tornar-se individual; especializar-se, distinguir-se; tornar-se particular. Jung entendia a individuação como um processo que significava tornar-se um ser único, alcançar uma singularidade profunda, tornando-se seu próprio self (si-mesmo).


o dia em que o rabo balançou o cão e assumiu seu self
 - Esquete político filosófico em 7 atos -

Cena1 - José foi assaltado. Levaram o carro dele. Ao chegar em casa de táxi, ele imediatamente assumiu a culpa pelo roubo: “Eu dei bobeira, não deveria ter parado naquele semáforo”.

Cena2 - Maria foi estuprada, e quase morreu. Ao prestar depoimento, ela deixou bem clara sua responsabilidade pelo episódio: “Eu vacilei, não deveria ter ido comprar pão sozinha”.

Cena3 - O ladrão arrancou o telefone celular das mãos de João enquanto ele atendia uma ligação. Ele - o João, e não o ladrão - assumiu total culpa pelo crime: “Eu não sei onde estava com a cabeça quando fui atender uma ligação no meio da rua”.

Cena4 - Maria foi morta durante um assalto. Ela gritou e acabou levando um tiro. Por ocasião de seu enterro, Maria foi condenada por todos os presentes: “Que estupidez dela ter gritado, todo mundo sabe que durante um assalto o melhor é ficar em silêncio”.

Cena5 - Marcos teve sua loja assaltada, e quase levou um tiro. Seus empregados reclamaram dele: “Que estupidez, deixar aquele monte de mercadoria exposta na vitrina”. Marcos passou a deixar tudo trancado em um cofre... Mas a loja foi assaltada de novo, e um de seus funcionários, após quase levar um tiro por ter demorado a abrir o cofre, agrediu-o violentamente: “Seu miserável, fica trancando tudo, mais preocupado com as mercadorias do que com a gente, e quase levamos um tiro por sua causa”.

Cena6 - Joel entrou em um subúrbio com o caminhão da empresa para entregar pacotes de biscoito nos bares de lá. Após ter tido os produtos e o caminhão roubados, e quase ter sido morto, foi despedido por seu chefe: “Que sujeito burro, ir com o caminhão lá naquele bairro sem pedir licença para o líder do tráfico local”.

Cena7 - Patrícia viajou a negócios. Desembarcou no aeroporto com seu “notebook” e tomou um táxi. Não conseguiu andar dois quarteirões - foi assaltada em um semáforo. Na empresa, foi imediatamente repreendida: “Você não poderia ter desembarcado sem antes esconder o “notebook”, deste jeito você pediu para ser assaltada”.

Posfácio - É tão normal um cidadão ter medo de andar pelas ruas; é tão comum um policial ter que esconder sua profissão para não morrer; é tão usual pessoas terem que pedir permissão a traficantes para subir em morros e é tão rotineiro abrir-se mão da cidadania mais básica que já não causa surpresa as vítimas estarem se transformando em culpadas pelos crimes. – colagem sobre texto enviado por Samuca Mac Dowell

Moral da história: O ser humano, tal como imaginamos, não existe – Nelson Rodrigues.