A disputa entre o Legislativo e
o Judiciário descambou para uma linguagem vulgar, quase chula, graças a um
presidente do Senado que tem nas costas 11 inquéritos no Supremo Tribunal
Federal. Onze! É dose. Nove deles relacionados a corrupção na Petrobras, investigada
pela Lava Jato. Renan Calheiros pode ter herdado de José Sarney a capacidade de
ressuscitar. Mas não herdou a serenidade e a capacidade de aglutinar.
O alagoano é muito mais
destemperado que seu padrinho maranhense. Pragueja. Se pensa que pode varrer
malas, documentos e malfeitos, dele e de seus colegas, para baixo do tapete, é
bom repensar, porque a batalha verbal pode lhe valer a derrota na guerra.
Ex-amante da morena mineira com quem teve uma filha e a quem pagava pensão com
suposta ajuda de uma empreiteira, Renan pode morrer pela boca. E pela
incontinência e arrogância. Fala demais, se altera demais, manobra demais. Seu
riso com os dentinhos de fora é falso demais. Tudo demais.
Não se iludam com a apregoada paz
que juntou na sexta-feira Michel Temer, Cármen Lúcia e Renan Calheiros numa
sala para discutir a violência no Brasil. Não passa de trégua de primeira
instância, provisório cessar-fogo. Não existem pontos em comum entre o
presidente do Senado e a presidente do Supremo Tribunal Federal. Fingem um
convívio pacífico em nome da República. É questão de tempo para isso estourar.
A disputa não começou agora. O
juiz Sergio Moro já tinha dito que o Congresso “deve mostrar em que lado se
encontra”. Moro defende o projeto de dez medidas anticorrupção propostas pelo
Ministério Público e assinadas por mais de 2 milhões de eleitores.
Renan pressiona o Senado a
aprovar projeto para coibir “abusos de autoridade”. De que lado Renan está? O
projeto estava engavetado no Senado havia mais de cinco anos. Quem é o relator
do projeto? O senador Romero Jucá. O procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, pediu a prisão de Jucá. Quem é o autor do projeto, datado de 2009? O
atual ministro da Defesa de Michel Temer, Raul Jungmann.
Nesse cenário de House of
cards, a PF deslancha a Operação Métis – deusa grega da astúcia, prudência e
virtudes – e prende quatro policiais legislativos que, autorizados por Renan,
fizeram varredura eletrônica em casas de senadores como Fernando Collor e
Gleisi Hoffmann e do ex-presidente Sarney. Uma das varreduras foi no escritório
do ex-genro do ex-senador Lobão Filho, no Maranhão. Usou-se verba pública para
buscar grampos em locais não oficiais, fora da responsabilidade do Senado. Com
um objetivo aparente, porém não confessado: atrapalhar a Lava Jato.
Renan explode. Chama o ministro
da Justiça, Alexandre de Moraes, de “chefete” de polícia que “dá bom dia a
cavalo” e pressiona Temer a dispensá-lo. Acusa a Polícia Federal de mais
“fascista” que a polícia da ditadura militar. (Renan não gostaria que chamassem
a polícia do Senado de “milícia particular” – seria uma clara injustiça). O
senador denunciou “arreganhos, truculência, intimidação”. Fez o mesmo.
Investiu contra o “juizeco de
primeira instância” Vallisney de Souza Oliveira, de Brasília, que autorizou a
ação da PF no Senado. Discreto e com um blog de poesias suas e de outros
autores, Vallisney recebeu uma solidariedade de alta patente: da presidente do
STF, Cármen Lúcia. “Onde um juiz for destratado, eu também sou. Qualquer um de
nossos juízes é”, disse Cármen, sem entrar no mérito da operação em si e sem
citar Renan. [...].
Estamos cheios já de foros
privilegiados. Cármen Lúcia também é contra. Estamos cheios de castas políticas
que legislam em causa própria e querem cortes nas aposentadorias sem mexer em
suas mordomias vitalícias, imorais e passadas a herdeiros. Estamos cheios de
nepotismo e do “você sabe com quem está falando”.
No dia 3 de novembro, o STF
julgará uma ação que impede réus com processos no Supremo de ocupar cargos da
linha sucessória da Presidência da República. Renan se encaixa exatamente nesse
perfil. Mais um episódio, talvez o final de uma temporada. O que acontecerá? Leia
na íntegra