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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Mas é a lei

O que está acontecendo conosco? Como chegamos a este ponto? Como pretendemos ser uma nação digna desse nome se todo mundo parece fazer questão absoluta de deixar de cumprir a lei? Ou, pelo menos, é capaz de qualquer esperteza e malabarismo moral para garantir que ela não se aplique no seu caso. Até mesmo os legisladores, que fazem as leis, não demonstram o menor respeito por elas. E os que ocupam o Executivo e deveriam executá-las, depois de manobras, jeitinhos e pedaladas de todo tipo para se livrar dessa obrigação, ainda posam de vítimas e jogam a culpa nos outros. Sem esquecer que abusam de uma pretensa criatividade que não engana ninguém, ao buscarem anistias de todo tipo que anulem seus delitos no caso de serem descobertos.

Esse comportamento de vitimização associada à culpabilização alheia é parte integral da maneira como funciona o mecanismo perverso. Começa pela negação da realidade, tão conhecida e já estudada desde Freud. O sujeito se recusa a tomar conhecimento dos fatos reais, substituindo-os por falsidades e versões deturpadas, agora chamadas de fatos alternativos, pós-verdades, contranarrativas. Em seguida, na construção de um relato imaginário de martírio ou heroísmo, cultiva a disseminação de ressentimentos que espalhem e propiciem atitudes coletivas de cobrança e revanche, hostilidade e agressão difusa e indiscriminada dirigida contra todo e qualquer cidadão passível de não ser mais visto como próximo, compatriota ou merecedor de respeito, solidariedade ou compreensão — e então passa a conveniente alvo de agressão e justiçamento. [...].


Aliás, ninguém se sente responsável por nada. A ciclovia que desabou com a primeira onda mais forte e matou pessoas cai no mesmo poço de irresponsabilidade que a barragem que estourou, matou gente e animais, arrasou com todo um ecossistema e a economia de uma região. Os salários de funcionários que atrasam, os reajustes negados, as verbas que deixam de chegar para educação, saúde, saneamento, segurança pública e outros serviços essenciais, tudo isso é visto como se não tivesse relação alguma com o descumprimento das leis — tenha sido por meio de fraudes, compadrio, corrupção de todo tipo ou irresponsabilidade fiscal.

A lei é dura, mas é a lei, garante o sábio princípio que sustenta o convívio social. O que está acontecendo conosco, que assistimos boquiabertos a tudo isso mas nos anestesiamos a ponto de deixar escalar assim?... Até quando? O que achamos que estamos construindo para o futuro? Em que isso tudo vai dar? - Ana Maria Machado/O Globo – Enviado por Cacau QuilLeia na íntegra

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