*Não fosse o amanhã, que dia agitado seria o hoje!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Voltar ás ruas

Em Brasília são sempre 19 horas. Como na fatídica “Hora do Brasil”. Pontualmente — e com a monotonia habitual - os locutores apresentam um relato diário das atividades dos Três Poderes. Falam de um Brasil imaginário. Tentam, com muito esforço, apresentar as atividades da demoníaca Praça dos Três Poderes. O Brasil pode estar vivendo uma guerra civil. Mas lá, em Brasília, tudo continua como se vivêssemos o melhor dos mundos. [...].

Somos governados por uma elite perversa e hipócrita. Interesse público? Nenhum. Brasília, na sua eterna indiferença com os destinos do Brasil, a cada dia dá mostras de que a República que nasceu da Constituição de 1988 já deu o que tinha de dar - e deu pouco, para o povo, entenda-se.

O que chama a atenção é a crença dos donos do poder de que os brasileiros vão assistir passivamente ao velho jogo do é dando que se recebe. Como se a luta vitoriosa pelo impeachment tivesse esgotado a capacidade de mobilização. Ledo engano. No final de 2015, poucos imaginavam que, seis meses depois, Dilma Rousseff estaria fora da Presidência da República. E isto só ocorreu pela pressão popular.

Para o bloco do poder, o impeachment encerrou a crise política. Errado. O impeachment somente destampou a panela de pressão. A crise vai se agravar após as revelações das delações da Odebrecht. E mais ainda pela resistência organizada na Praça dos Três Poderes contra a Lava-Jato.

Não vai causar admiração quando as ruas retomarem o protagonismo que tiveram tão recentemente. Há um sentimento de que Brasília está da tal forma carcomida pela corrupção, que só é possível esperar algum novo golpe contra os interesses populares. Neste clima dificilmente serão aprovadas as reformas. E, se forem, deverão ter um alto custo político.

A questão central é que a velha ordem quer se manter a todo custo no poder. E tem milhares de apoiadores - sócios menores e maiores - que vivem à sombra do saque do Estado. Usam, paradoxalmente, do estado democrático de direito para se defender. Ou seja, a lei, ao invés de proteger o Estado e a cidadania, acabou se transformando em instrumento que garante e protege os corruptos.

O risco de a crise política se transformar em crise social é grande. As finanças estaduais estão exauridas. Os serviços públicos estão sucateados. O desemprego é alto. E a falta de rápida e severa punição dos crimes de corrupção acaba desmoralizando as instituições e estimulando o desprezo pela democracia.

No horizonte, nada indica que a elite política tenha consciência da real situação do país. A crise não frequenta os salões de Brasília. Lá a vida continua bela - como sempre. É necessário desatar o nó górdio. Mais uma vez, este será o papel das ruas. O simples protesto individual é inócuo. Foi uma grande vitória derrotar o projeto criminoso de poder. Mas é ainda insuficiente. As forças de conservação são poderosas. Espertamente - e não é a primeira vez ao longo da nossa história - pegaram carona na indignação popular para se manter no novo bloco de poder. E são elas os principais obstáculos para a plenitude republicana.


Hoje, a grande tarefa é derrotar politicamente a Praça dos Três Poderes. O Brasil é melhor do que o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. E esta tarefa é da sociedade civil. Não será fácil. Mas é indispensável. Trechos do artigo “Voltar às ruas” de Marco Antonio Villa/O GloboLeia na íntegra

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