“Entrevista com
o goleiro”
-Senhores, hoje
temos o prazer de apresentar nosso primeiro reforço para a temporada, que vem
aí nos ajudar este ano e, tomara, conquistar muitas vitórias para o Esperança
de Varginha: o goleiro Otávio... Quem quiser, pode fazer a primeira pergunta —
anuncia o presidente.
-Otávio, como
você acha que a torcida e seus companheiros vão reagir à contratação de um
jogador chamado de bandido pelos adversários?
-Eu cometi um
erro? Cometi. Foi grave? Foi grave — responde o goleiro com uma frieza digna de
quem está habituado a agarrar pênaltis em decisões.
-Mas você acha
que o que você fez foi um “erro.” Só isso? Mesmo? — insiste o repórter.
-Eu traí minha
mulher? Traí. Todo mundo faz isso? Todo mundo faz isso.
-Mas você não
foi preso porque traiu sua mulher, né, Otávio?
-Eu me recusei a
transar com camisinha? Me recusei.
-Então você acha
que seu erro foi não ter usado camisinha?
-Eu engravidei
uma mulher sem querer? Engravidei.
-Otávio, é
impressão minha ou você está usando a velha estratégia de responder perguntas
retóricas para si mesmo num tom sereno e informal para diminuir a gravidade da
situação e convencer uma parte mais despreparada da imprensa e a grande fatia
mais ignorante da população de que você não é bandido?
-Imagina!
Bandido? Eu não sou bandido. Eu ameacei ela? Ameacei. Coloquei um abortivo na
bebida dela para ver se a criança não nascia? Coloquei. Obriguei ela a beber?
Obriguei. A criança nasceu? Nasceu. Bati nela? Bati. Mandei ela não registrar
no meu nome? Mandei. Ela registrou? Registrou. Tentei subornar o pessoal do laboratório
para não dar meu DNA? Tentei. Não deu certo? Não deu certo. Bati nela de novo?
Bati. Sequestrei ela e a criança? Sequestrei. Privei a criança do convívio da
mãe? Privei. Mandei um cúmplice dar cabo dela? Mandei. Matei ela? Matei.
Ocultei o cadáver? Ocultei. Desovei em algum lugar? Não. Esquartejei o corpo?
Esquartejei o corpo. Desossei os pedaços? Desossei. Dei para os cachorros
comerem? Dei para os cachorros comerem. Matei os cachorros? Matei. Acharam
algum cadáver? Nenhum. Vieram atrás de mim? Vieram. Fui condenado? Fui. Meus
advogados apelaram? Apelaram. A Justiça é lenta? É lenta. Saí da cadeia por
causa da picuinha entre um ministro do STF e um juiz? Saí. Fiquei pouco tempo
na cadeia? Fiquei. Fingi estar arrependido? Fiz o meu melhor. Vou ganhar um
salário maior do que 95% dos trabalhadores honestos deste país e ser mau
exemplo para uma geração que se importa mais com selfies e subcelebridades que
com valores como o caráter, o amor e a vida? Vou. Mas bandido eu não sou.
O silêncio na
sala após a resposta do goleiro é interrompido pelo presidente que puxa o
microfone pra si.
-Gente...
Perguntas só sobre futebol, ok?
Um repórter no
fundo da sala levanta o braço e pergunta:
-Otávio, você
acha que o Esperança deve jogar no 4-4-2 ou no 4-3-3?
Trechos da
crônica “O Goleiro” de Antonio Tabet/O Globo neste domingo 19 - Leia
na íntegra
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