*Não fosse o amanhã, que dia agitado seria o hoje!

quarta-feira, 22 de março de 2017

“Da série: Paródias do jogo da Vida Real”

“Entrevista com o goleiro”

   
-Senhores, hoje temos o prazer de apresentar nosso primeiro reforço para a temporada, que vem aí nos ajudar este ano e, tomara, conquistar muitas vitórias para o Esperança de Varginha: o goleiro Otávio... Quem quiser, pode fazer a primeira pergunta — anuncia o presidente.
-Otávio, como você acha que a torcida e seus companheiros vão reagir à contratação de um jogador chamado de bandido pelos adversários?
-Eu cometi um erro? Cometi. Foi grave? Foi grave — responde o goleiro com uma frieza digna de quem está habituado a agarrar pênaltis em decisões.
-Mas você acha que o que você fez foi um “erro.” Só isso? Mesmo? — insiste o repórter.
-Eu traí minha mulher? Traí. Todo mundo faz isso? Todo mundo faz isso.
-Mas você não foi preso porque traiu sua mulher, né, Otávio?
-Eu me recusei a transar com camisinha? Me recusei.
-Então você acha que seu erro foi não ter usado camisinha?
-Eu engravidei uma mulher sem querer? Engravidei.
-Otávio, é impressão minha ou você está usando a velha estratégia de responder perguntas retóricas para si mesmo num tom sereno e informal para diminuir a gravidade da situação e convencer uma parte mais despreparada da imprensa e a grande fatia mais ignorante da população de que você não é bandido?
-Imagina! Bandido? Eu não sou bandido. Eu ameacei ela? Ameacei. Coloquei um abortivo na bebida dela para ver se a criança não nascia? Coloquei. Obriguei ela a beber? Obriguei. A criança nasceu? Nasceu. Bati nela? Bati. Mandei ela não registrar no meu nome? Mandei. Ela registrou? Registrou. Tentei subornar o pessoal do laboratório para não dar meu DNA? Tentei. Não deu certo? Não deu certo. Bati nela de novo? Bati. Sequestrei ela e a criança? Sequestrei. Privei a criança do convívio da mãe? Privei. Mandei um cúmplice dar cabo dela? Mandei. Matei ela? Matei. Ocultei o cadáver? Ocultei. Desovei em algum lugar? Não. Esquartejei o corpo? Esquartejei o corpo. Desossei os pedaços? Desossei. Dei para os cachorros comerem? Dei para os cachorros comerem. Matei os cachorros? Matei. Acharam algum cadáver? Nenhum. Vieram atrás de mim? Vieram. Fui condenado? Fui. Meus advogados apelaram? Apelaram. A Justiça é lenta? É lenta. Saí da cadeia por causa da picuinha entre um ministro do STF e um juiz? Saí. Fiquei pouco tempo na cadeia? Fiquei. Fingi estar arrependido? Fiz o meu melhor. Vou ganhar um salário maior do que 95% dos trabalhadores honestos deste país e ser mau exemplo para uma geração que se importa mais com selfies e subcelebridades que com valores como o caráter, o amor e a vida? Vou. Mas bandido eu não sou.

O silêncio na sala após a resposta do goleiro é interrompido pelo presidente que puxa o microfone pra si.
-Gente... Perguntas só sobre futebol, ok?
Um repórter no fundo da sala levanta o braço e pergunta:
-Otávio, você acha que o Esperança deve jogar no 4-4-2 ou no 4-3-3?
Trechos da crônica “O Goleiro” de Antonio Tabet/O Globo neste domingo 19 - Leia na íntegra

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