Zuenir Ventura |
Houve um tempo em que “mal de coluna” (não a cervical, mas a de jornal) era a
falta de assunto; hoje é o excesso. Anda difícil escolher um tema diante de
tanta oferta. Tem o barraco supremo do juiz do STF xingando o colega de
“velhaco”. Tem a insegurança crônica no Rio, que registra o assalto, num só
dia, a 19 turistas a caminho do Corcovado. Tem a condenação de Rosinha e tem o
casal Mônica Moura e João Santana, marqueteiros dos expresidentes Lula e Dilma,
fazendo afirmações surpreendentes, como se ainda houvesse com o que se
surpreender nessa história. Só na primeira página de ontem, ela aparece dizendo
que recebeu numa mala R$ 800 mil de um antigo ministro, hoje governador, e US$
11 milhões de Nicolás Maduro, quando chanceler da Venezuela. [...].
Tudo surgiu
justamente no dia seguinte ao do depoimento de Lula em Curitiba, quando
respondeu 82 vezes “não sei” ao juiz Sergio Moro (a conta é do repórter Felipe
Branco Cruz), num desempenho que correspondeu ao que se propôs. Como começou
dizendo que aquele processo era uma “farsa”, ele agiu como ator, com direito a
inventar, criar, ser incoerente e a faltar com a verdade, o que, vamos convir,
a política permite, ainda mais que o juiz havia declarado que o depoente podia
até mentir.
Lula chegou a
recusar por vezes o papel principal, repassando-o a dona Marisa, que em vida
foi tão discreta e agora passava a protagonista de alguns malfeitos atribuídos
ao marido. Ele às vezes foi over, e exagerou, ao fingir não saber, por exemplo,
o que a imprensa noticiou fartamente na época que um diretor da Petrobras
devolvera R$ 204 milhões roubados. “Quanto que ele devolveu?”, perguntou
candidamente. “Roubou muito, hein!”, comentou. Outro número, e esse de fazer
rir, foi a negação de que mantinha influência no PT, ele, que é desde a
fundação a própria encarnação do partido, sendo capaz de eleger até um poste
presidente, ou presidenta, como sempre se disse.
O erro de Lula
foi não ter dado ouvidos ao juiz, quando este lembrou no início que aquela
sessão era a oportunidade de o acusado apresentar sua defesa. Porém, em vez de
fazer isso tecnicamente, o fez politicamente. Mesmo assim, há controvérsia. Ele
pode ter saído do tribunal se achando vitorioso e indo comemorar com os
militantes. Mas também pode ter saído juridicamente derrotado – Zuenir Ventura/O
Globo
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