A realidade
sempre sai em desvantagem quando é confrontada pela
ilusão. A afirmação é perfeitamente compreendida por todos aqueles que, diante
de um dilema, foram compelidos a tomar decisões graves, que exigiram
ponderações e escolhas difíceis. São os "hard cases", dos quais não
há saída perfeita.
Pela natureza da
nossa instituição, talhada para a persecução penal, é evidente que, se fosse
possível, jamais celebraríamos acordos de colaboração com nenhum criminoso.
No campo
plasmável da vontade, desejamos o rigor máximo para todos os que transgridem os
limites da lei penal, sem concessões. Mas, desafortunadamente, o caminho
tradicional para aplicação da lei penal tem-se mostrado ineficaz e instrumento
de impunidade. Não é por outra razão que o acordo de colaboração foi
pragmaticamente acolhido, em grande parte dos ordenamentos jurídicos do mundo
ocidental, como exigência indispensável no combate às organizações criminosas.
O fato
incontornável, porém, é que, defrontado com a realidade e premido pelo senso de
responsabilidade para com o país, apartei-me da utopia, do personalismo e do
aplauso fácil para arrostar a decisão de celebrar o acordo com os donos do
grupo empresarial J&F. [...].
Só posso, assim,
imputar à ignorância - pelo benefício da dúvida-certas críticas arrogantes
lançadas sobre a atuação do Ministério Público Federal nesse caso. Parece-me
leviandade julgar a escolha realizada sem examinar as provas e seu alcance,
desconsiderando as circunstâncias concretas e a moldura de um sistema criminal
leniente. Os reais motivos dessas pessoas estão, na verdade, mal dissimulados
em supostas preocupações com a estabilidade, a economia e o bem-estar do povo.
Para esses, sou
enfático: não foi a nossa instituição que corrompeu a política nacional, a
vontade dos eleitores e o próprio sentido de democracia. Ao contrário, a luta
do Ministério Público tem sido perene e constante contra as mazelas da
corrupção que conspurcam o Estado de Direito, abastardam a sociedade e roubam o
futuro do país.
O fruto do
esforço institucional está aí para os que têm olhos de ver: três anos de um
trabalho árduo que, contra todas as probabilidades de nosso sistema criminal
permissivo, encarcerou dezenas de poderosos políticos e empresários e restituiu
para os cofres públicos, até o momento, o montante de quase R$ 1 bilhão. [...].
A sociedade
tomará essa decisão. Estou confiante de que a escolha, apesar das forças que
operam em sentido contrário, será a favor de um futuro de justiça e
prosperidade, erguido em base sólida e consistente.
O país cansou do
engodo, da hipocrisia, dos voos de galinha de economia sustentada no
favorecimento, de seguir para logo retroceder. A hora é de mudança.
RODRIGO JANOT, mestre em direito pela UFMG, é
procurador-geral da República – Leia
na íntegra
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